28.3.07

MORRI

MORRI.
Dei um último suspiro e morri.
Comigo morreu tudo o resto
o sorriso dos meus filhos, os meus próprios filhos.
As tardes mornas de domingo e as férias de família.
Morreu Janeiro e a neblina fria da manhã…
morreu Janeiro a começar o ano que acabou fechado na eternidade
fim no principio que encerra e que acaba.
Morreu Fevereiro grotescamente vestido de Carnaval
entre risos gelados de corpos despidos e azulados;
morreram caras pintadas, desfiguradas, de vidas disfarçadas.
Morreu Março a nascer.
Todos os pássaros, todas as flores, todas as cores.
Morreram os bebés dentro das suas mães
a esperança dos homens nos próprios homens.
Morreu Abril, as águas e os mares.
Degelo de montanhas em cascatas.
Mares que se enchem de mágoas:
prantos que morrem também;
e a chuva que cai em grossas lágrimas e molha o chão
que engrossa os rios, que engrossa os mares.
Morreu Maio quente de terra fria.
As namoradas às janelas de olhar melancólico
sonhos de existências futuras
sonhos sonhados muitas vezes
futuro que se apaga.
Morreram os noivos nos altares
as flores nas jarras, os padres, os padrinhos: os casamentos.
Morreu Junho popular.
As noites quentes de verão e que invadem as casas
portas abertas na noite que agora é para sempre.
Morreu o canto dos grilos.
Todos os cantos, todos os cantos viraram silêncio porque eu já não os posso ouvir.
E também morreu Julho.
Os cães prostrados de calor,
as moscas preguiçosas a voarem em círculos:
voo lento de abutre – premonição de morte.
Julho de céu azul, espelho de mar, espelho dos olhos da minha mãe…
dos olhos da minha mãe que morreram comigo.
Morreu Agosto.
Morremos nós: tu e eu
as noites de amor, os beijos, os abraços, os carinhos.
A intimidade da nossa vida: o desejo.
A minha pele que ainda há pouco guardava o teu cheiro…morreu.
Setembro morreu maduro.
Dourado, avermelhado: preto para sempre.
As crianças nas escolas: preto para sempre.
Tudo: preto para sempre.
Morreu Outubro.
As árvores vestidas da nudez fria da terra.
O vento na cara, a penetrar a carne,
a despir-nos lentamente: folha a folha…a preparar-nos.
E Novembro morreu.
Seco, gélido, escuro: tumba de recordações.
Inevitavelmente morreu Dezembro.
Comigo morreram todos os natais, todas as famílias,
todos os momentos, todos os sonhos. Morreu o medo e o vazio.
Acabou um ano, uma vida, um ciclo.
Inicio de outro.


4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei! Escrita bem criativa, bem estruturada, sintética q.b.
A eternidade da Vida, longe de ser uma metáfora é uma realidade há muito descoberta por Lavosier - Nada se perde, tudo se transforma!
E assim se sucedem os ciclos.

Anónimo disse...

Dizes:
"Comigo morreram todos os natais"
Eu digo:
É Sexta-feira Santa e estás no Calvário.
Dizes ainda:
"Acabou um ano, uma vida, um ciclo: começo de outro."
Digo eu então:
É Páscoa, é ressureição.
E digo ainda mais:
És viva.

Anónimo disse...

A morte não é o fim; é simplesmente o inicio duma nova vida dizem os crentes e que bom para eles pensarem assim! Quem sabe??? ninguém, digo eu gostava de acreditar que assim fosse....

Anónimo disse...

De repente senti que estava do outro lado da janela, distante, e comigo so as tuas palavras... 'e este o poder que a tua poesia tem sobre mim!!!! Adoro estes minutinhos que consigo tirar no meu dia para saltar da janela!!!!Por isso continua........