20.3.07

CAMÉLIA





Do alto de uma árvore no jardim,
Camélia bailarina dançava:
uma dança – constante.
Dançava sem parar, com o vento;
dançava com o vento, seu par.
Dançava…a chorar.
A árvore prendia-a,
com força prendia o seu pezinho fino
– em pontas.
Palco improvisado transformado em cárcere,
prisão de sonhos que aprisiona a própria vontade.
Camélia alva
pétalas de tule
toque de veludo
bailarina que chora sem parar
- lágrimas: de orvalho.
Chora com tristeza a sua dor,
chora…a dançar.

Ás vezes os homens pensam que têm certezas
e que as certezas lhes pertencem,
pensam que conhecem toda a verdade
quando ainda não se abeiraram dela sequer,
e no fim, no fim morrem sozinhos.

O vento dança com ela
e fala-lhe ao ouvido
e diz-lhe vem comigo.
E fala-lhe ao ouvido e diz-lhe
o mundo é feito de mundos dentro do mundo
e eu vou-tos mostrar.
Lá do alto ela vê a paisagem,
reprimida em si, que se acaba no horizonte
e espera o momento,
o momento de se lançar solta nos braços do seu par.
O vento sopra forte entre as folhas
com a sua canção a chamar por Camélia.
As folhas a pedirem-lhe
fica que o vento é incerto,
e as folha a pedirem-lhe...

Ás vezes pensamos que a nossa vontade é suprema,
pensamos que guiamos o nosso destino
e não nos lembramos que o destino,
o destino não é só nosso.

Ela já nada ouve
quer outros palcos,
quer novos públicos,
quer fama e reconhecimento,
quer dançar – a sorrir.
Num ímpeto,
lampejo de felicidade,
solta o seu pezinho e dança livre sobre o abismo.
O vento abranda,
muda de direcção e abandona-a
vai procurar outro par.
Camélia, Camélia bailarina dança pela última vez
rodopia em direcção ao chão;
nem uma palha se mexe,
só ela, só ela a cair…
numa espiral de morte
– num canto de cisne.

7 comentários:

Anónimo disse...

Grande e paradoxal lição! Camélia a bela e misteriosa flor - inodora. Vento par de prisão; vertiginoso par esse que, tal como o diabo, nos larga assim que julgamos ter tomado o nosso destino. O cisne, no mais mudo dos cantos, tão alvo e belo como a Camélia, assiste. Impotente. Indiferente... ausente.

Anónimo disse...

Gostei muito deste poema principalmente porq me identifico muito com ela só com uma diferença; não caí..... mas sim .....amansei!!!.. daí vem o meu nome "leoa amansada"

Anónimo disse...

Estive para não comentar, mas... Isto é surpreendemente bom!
Tenho dito.

Anónimo disse...

Que bonito, Adorei!!!!!! Fez-me lembrar alguem.... Adoro o blog, vou ser visita frequente! Beijinhos xxxx

augustoM disse...

Só é senhor da verdade, aquele que a tem aberta às verdades dos outros.
A nossa vontade é como a liberdade, termina quando começa a dos outros.
Gostei muito do seu texto. Parabéns.
Um abraço. Augusto

Anónimo disse...

Um texto belíssimo... um início muito promissor!
Vou voltar,
Ana V

Anónimo disse...

melodia nas letras: lindo.
D.