18.6.07

COMA


É Fevereiro porque o céu não está azul e em Fevereiro o céu nunca está azul. É Fevereiro porque uma chuva miudinha bate na janela desde manhã, monótona e triste, numa cadência que faz lembrar o pulsar de um coração apressado: bate porque tem que bater, cai porque tem que cair, chove porque é Fevereiro.
A chuva escorre em pequenas gotas que vão-se juntando, mais e mais, até formarem uma grande que, pesada, escorre lentamente pelo vidro e se vai juntar a outras e outras e outras. É um rio que corre pelas ruas em direcção ao mar, inexorável, em direcção ao mar. Como se ainda antes de ser líquida já soubesse que, mesmo sem querer, o caminho é aquele; como uma parte mínima de um universo enorme que se funde num todo, para sempre.
Ontem, o coração daquele homem parou. Sem aviso, sem mais nem menos: parou. Talvez farto de bater sem motivo ou de bater por motivo sem grande interesse: parou. O sangue gelou nas veias, todos os músculos abandonaram a sua forma, e, o olhar, parado, uma savana imensa estendida ao sol.
Homens e mulheres de branco: tubos: seringas; é preciso canalizar uma veia, dizem. O olhar perdido. Anjos a lutarem com a morte: bate coração, bate. O retorno. O sangue circula novamente, num corpo morto, num cérebro morto. Tudo: morto: só, um coração que bate. E o olhar, vago, de cristal, de gota impedida de se juntar ao mar, preso no vidro de uma janela qualquer.

2 comentários:

in24hours disse...

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Have a great day.

Anónimo disse...

E saber que há tanta gente que fica neste estado patológico tantos e tantos anos..... é triste, comovente, sensação de impotência perante este estado de coma.....
Mas isto é uma realidade!
Rezemos para que a nossa gota, na devida altura, corra ràpidamente para o imenso mar q a espera, e quem sabe,fazer parte dum outro oceano mais bonito e melhor .....